Com certeza, nos próximos meses, você ainda ouvirá falar muito dessa faceta do Poder Judiciário
Por Leonardo Dickinson
Nos últimos meses, vieram a público ações que, de diversas maneiras, jogam luzes sobre uma instância do Poder Judiciário pouco conhecida da maioria dos brasileiros: a Justiça Militar. Primeiro, foi o ex-deputado Daniel Silveira que, apesar de civil, tentou levar uma ação penal na qual era réu para o tribunal militar, alegando que fora enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Depois, vimos o também ex-deputado Roberto Jefferson (hoje preso por atentar contra a vida de policiais federais) recorrer diretamente ao Superior Tribunal Militar (STM), demandando que a corte condenasse por omissão e prevaricação as autoridades que não acionaram as Forças Armadas contra o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF). Em dezembro, coube ao ex-juiz Wilson Koressawa protocolar uma notícia-crime pedindo a prisão preventiva do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Parece um balaio de gatos. E é. Pela Constituição federal de 1988, cabe à Justiça Militar julgar os crimes militares relacionados à Marinha, Exército e Aeronáutica, com o respaldo de códigos próprios, no caso, o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar. Mesmo assim, desde 2013, tramitam no STF ações que sugerem limitar ou rever a competência da Justiça Militar em casos envolvendo civis, como o de Silveira e o de Koressawa. Já a tentativa de impor às Forças Armadas uma tarefa que não lhes cabe, juridicamente falando, não passa de uma bravata.
É lógico que essas ações foram rejeitadas. Mas a movimentação em torno da Justiça Militar evidencia o fato de que boa parte da população desconhece seu real papel. Sabe-se que ela existe. Há uma definição constitucional clara sobre suas atribuições. Na prática, porém, como isso afeta os cidadãos em geral?
Em 2017, editou-se importante lei que alterou o Código Penal Militar, alargando o conceito de crime militar e permitindo uma maior incidência de situações em que civis – em acréscimo aos militares das Forças Armadas da ativa e da reserva – possam ser julgados pela corte castrense. É o caso, por exemplo, quando um indivíduo ingressa de forma indevida em unidade militar, ou pratica crime de fraude em licitação, em face da administração militar.
Contudo, diferentemente do militar – que será julgado por conselho formado por juízes militares compromissados e orientados pelo juiz federal da auditoria militar – recai ao juiz federal (civil) julgar os civis acusados de crimes militares, por entender-se que a estes não se aplicam as rígidas condutas da caserna, ao menos em regra.
Por uma questão de regimento, há séculos a Justiça Militar e a Justiça comum (dos civis) atuam apartadas. A justificativa é simples. Os militares seguem regras rígidas de hierarquia, disciplina e subordinação, que incluem obedecer uns aos outros conforme a patente. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em análise no Congresso, aumenta de 15 para 18 o número de membros no Conselho Nacional de Justiça. Se aprovada, garantirá assentos para um ministro do Superior Tribunal Militar, um juiz federal da Justiça Militar da União (JMU) e um juiz de direito da Justiça Militar estadual. Dessa forma, a Justiça Militar estará ao lado das demais instâncias do Judiciário no órgão regulador da categoria.
Trata-se de uma correção necessária porque a Justiça Militar, como modalidade especial do órgão jurisdicional e ainda largamente desconhecida, pode influenciar também na vida civil. Com certeza, nos próximos meses, você ainda ouvirá falar muito dessa faceta do Poder Judiciário.
Leonardo Dickinson
ADVOGADO CRIMINALISTA, ESPECIALISTA EM JUSTIÇA MILITAR, INTEGRANTE DA COMISSÃO DE DIREITO MILITAR DA OAB-RJ, É ADVOGADO DATIVO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR